A palavra “evangelho”
passa para português do termo latino, evangeliu, que, por sua vez, vem do
palavra grega, euangélion, que significa “boa nova”. Ao acrescentar o sufixo,
-ismo (de origem grega) ou -ação (de origem latina) surgem as palavras
evangelismo e evangelização que traduzem igualmente a palavra grega, euangelízo
(euvaggeli,zw). Portanto, apesar de algumas tentativas de distinguir entre
estes dois termos, não há diferença essencial pois têm a mesma origem. Ambos
efetivamente se referem ao anúncio do evangelho, isto é, das boas novas que
Deus ressuscitou Jesus de entre os mortos.
O evangelismo ou a evangelização, no cerne,
envolve o anúncio da intervenção de Deus na história humana, especificamente a
ressurreição de Jesus de Nazaré duma morte por crucificação, uma pena que lhe
foi atribuída por motivos políticos e religiosos. Ao ressuscitar Jesus e entre
os mortos, Deus o vindicou, efetivamente estabelecendo não só a sua inocência,
mas também a sua posição como Filho de Deus e realizador das promessas de Deus
nas Escrituras para os judeus e para todas as etnias do mundo (Romanos 1.1-6).
Portanto, o evangelismo possui essencialmente um caráter narrativo, promissório
e histórico.
Como anúncio é uma narração. É um relato feito
por testemunhas e assim é uma atividade verbal e pessoal. Por isso no Novo
Testamento a atividade evangelística que mais se sobressai é o testemunho (Atos
5.32; 1 Coríntios 15.5-11).
Entretanto, por envolver o testemunho o
evangelismo não é meramente subjetivo, relativo à experiência de cada um.
Baseia-se na realização histórica de promessas específicas feitas no Antigo
Testamento a respeito dum novo período na história humana demarcada pela vinda
do Messias. Estas promessas também se destacam no evangelismo (Atos 2.25-32;
3.18, 24; 1 Coríntios 15.3-4).
Então, o evangelismo é um anúncio, sim, e é
pessoal no sentido de ser transmitido por pessoas transformadas pelos eventos
narrados na mensagem proclamada. Mas, é também histórico. Por mais pessoal que
seja, a mensagem possui um conteúdo essencial, sem o qual a mensagem não seria
mais evangelística. E este conteúdo se refere à crucificação e a morte duma
pessoa que viveu e morreu de fato, e igualmente de fato foi ressurreto por Deus
(Atos 2.23; 5.30; 10.39; 13.29; Deuteronômio 21.22-23; Gálatas 3.10-13; 1 Pedro
2.24). O caráter histórico e verificado destes eventos completam a nossa
definição das três características necessárias do evangelismo: é um anúncio de
promessas divinas realizadas na morte e na ressurreição de Jesus de Nazaré, agora
proclamado Jesus Cristo.
Além destas características essenciais do
evangelismo, pode-se acrescentar um pré-requisito necessário e duas
conseqüências inevitáveis do evangelismo, ou do evangelho. O pré-requisito é a
exigência do arrependimento e da fé (Atos 2.38; 3.19; 10.43; e 13.38-39). É
necessária a disposição e a decisão de abandonar a velha maneira egoística de
viver e igualmente deve-se pôr a confiança e a fé em Jesus, o Deus que salva, o
nosso Senhor. Tal mudança de rumo demonstrado incialmente pelo batismo, que nas
palavras de Paulo, ilustra a morte da vida anterior e o nascimento duma nova
vida em Cristo (Romanos 6.4). Assim Deus estabelece um pacto pessoalmente com o
convertido. Mas “pacto pessoal” não deve ser entendido dum modo individual. A
selo deste pacto que o batismo exterioriza envolve, como na aliança do Antigo
Testamento exteriorizada pela circuncisão (Colossenses 3.11-12), o convertido e
“toda a sua casa”. É conseqüência da fé daquele que crê, mas se alarga para
abranger a sua família toda (Atos 16.15, 33; 18.8), não como salvação mecânica,
automática, e isenta de fé pessoal por parte do resto da família, mas como
promessa de cercar aquela família com as bênçãos de que tal fé pessoal que
propicia um ambiente favorecido para cada um assumir seu compromisso com Deus
no momento oportuno.
As conseqüências inevitáveis do evangelismo são
o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo. Não é apenas o que Cristo
realizou uma vez no passado. Mas ainda hoje, quando alguém é atingido pelo
evangelho, seus pecados são lançados por Deus no fundo do mar, esquecidos e
enterrados por Ele, e ainda recebe o precioso presente duma renovação completa
pela entrada do Espírito Santo na sua vida (Atos 2.38). Maravilhoso Deus!
Estes são os contornos do evangelismo, sua
definição essencial, seu pré-requisito necessário e suas conseqüências
garantidas. Trata-se principalmente duma mensagem sobre algo que Deus realizou,
não algo que nós fazemos ou decidimos. Por isso, em última análise não se pode
avaliar o evangelismo nem em termos de resultados e nem em termos de métodos
(Stott, 1982). Nem sempre sabemos dos resultados. Mesmo assim ocorre
evangelismo onde o evangelho é anunciado (Atos 8.4, 25, 40). E nem sempre as
boas notícias são bem recebidas. Mas não é nem por isso que não houve
evangelismo.
Também não é o método que determina se o
evangelismo ocorreu. O anúncio que constitui o evangelismo pode ser através
duma pregação, duma dramatização, da imprensa, da mídia, ou simplesmente duma
conversa informal da família ao redor duma mesa.
Assim
entendemos o evangelismo
Dezesseis das dezoito características do
evangelismo, elaboradas por um dos maiores missiólogos deste século, David
Bosch, ajudam a ilustrar a necessidade de ampliar nossa noção do evangelismo.
Primeiro, “o evangelismo pode ser visto como
uma ‘dimensão essencial da toda a atividade da igreja’” . Efetivamente
esta perspectiva exige a rejeição do conceito de evangelismo no Pacto de
Lausanne, como um de dois segmentos de missão, o outro sendo a ação social.
Este ponto de vista que Bosch nos apresenta também exige a rejeição da
distinção que Bosch faz entre o evangelismo e a missão.
Segundo, “o evangelismo envolve o testemunho
daquilo que Deus tem feito, está fazendo, e fará”. Encontramos nesta afirmação
a influência da teologia reformada na missiologia de Bosch. “O evangelismo…não
é uma chamada para realizar algo, como se o reino de Deus se inaugurasse pela
nossa resposta ou frustrasse pela ausência de tal resposta”. Aliás, nem se deve
entender o evangelismo ou missões como o alvo último da igreja. Um dia a missão
da igreja se acabará, mas não a adoração a Deus e o louvor da Sua glória.
Missões ou evangelismo são teologicamente penúltimos, mesmo que sejam cruciais
a um fim maior.
Terceiro, “mesmo assim, o evangelismo tem por
fim uma resposta”. O apelo para o arrependimento e a conversão permanece básico
ao evangelismo.
Quarto, “o evangelismo sempre é convite”
comunicado com alegria, nunca coerção ou ameaças.
Quinto, “aquele que evangeliza é uma
testemunha, não juiz”. Jamais somos capazes de avaliar perfeitamente quem
aceita e quem rejeita o nosso testemunho, muito menos julgar quem, ao rejeitar
nosso testemunho, está rejeitando Cristo.
Sexto, “embora devamos ser modestos a respeito
do carácter e eficácia do nosso testemunho, o evangelismo permanece um
ministério indispensável”. Não é um ministério periférico, nem tampouco
opcional.
Sétimo, “o evangelismo somente é possível
quando a comunidade que evangeliza — a igreja — é uma manifestação radiante da
fé cristã e exibe um estilo de vida atraente”. Ser e fazer no evangelismo são
inseparáveis. O testemunho de vida da igreja possui significância
evangelística, ou positiva ou negativa. Tal “personalidade” evangelística, e
não somente atividade evangelística, está ligada firmemente a uma das “marcas”
essenciais da igreja: a sua apostolicidade.
Oitavo, “o evangelismo oferece às pessoas a
salvação como um dom presente e junto com isso, a segurança de bênção eterna”.
Entretanto, o gozo pessoal da salvação nunca foi um tema bíblico central. É
praticamente incidental. Somos chamados para sermos cristãos não simplesmente
para receber a vida, mas para dá-la”.
Nono, “o evangelismo não é proselitismo”. A
tentação da construção de impérios denominacionais tem que ser evitado no
evangelismo.
Décimo, “o evangelismo não é sinônimo da
extensão da igreja”. “O enfoque do evangelismo deveria estar não na igreja, mas
na introdução do reinado de Deus.”
Décimo-primeiro, “distinguir entre o
evangelismo e o recrutamento de membros não é sugerir que não há ligação entre
os dois”. O crescimento numérico é importante.
Décimo-segundo, “no evangelismo, ‘somente
pessoas podem ser desafiadas, e somente pessoas podem responder’”. Aqui, Bosch
defende a dimensão pessoal do evangelismo. Mas uma distinção entre pessoal e
individual teria sido útil. Enquanto o evangelismo desafia pessoas e entidades
pessoais, tais pessoas são tratadas não apenas individualmente, mas
corporativamente também, de acordo com suas diversas associações sociais e
culturais. Creio que isto seja a perspectiva mais de Jesus e também dos
profetas.
Décimo-terceiro, “o evangelismo autêntico
sempre é contextual” E por “contextual” Bosch se refere às estruturas
macro-éticas duma dada sociedade humana. Traz-nos interrogações preocupantes:
“…qual é o critério que decide que o racismo e a injustiça social são questões
sociais enquanto a pornografia e o aborto são (questões) pessoais? Por que
evita-se a política, declarando-a fora da competência do evangelista, a não ser
quando favorece a posição dos privilegiados na sociedade? Por que pregadores,
que parecem se interessar somente pelo destino ultramundano dos seus ouvintes,
podem ser inteiramente mundanos no seu etos e seus métodos?”
Décimo-quarto, “o evangelismo não pode ser
divorciado da pregação e da prática da justiça…. Evangelismo é uma chamada ao
serviço
Décimo-quinto, “o evangelismo não é um
mecanismo para apressar o retorno de Cristo”. Embora a preocupação
de Bosch esteja com movimentos que conjuguem estratégias de evangelismo global
com expectativas escatológicas, como o movimento no final do século XIX
liderado por A. T. Pierson, A. B. Simpson, e H. G. Guinness, e centenas de
outros movimentos semelhantes ao longo da história, sua observação é melhor
entendida como um corolário necessário da sua segunda observação acima de que o
evangelismo é uma atividade divina antes de ser uma atividade humana.
Finalmente Bosch observa que “o evangelismo não
é somente proclamação verbal” embora possua uma dimensão verbal inescapável.
Não existe uma única maneira de testemunhar das boas novas sobre Cristo. Por
isso nunca se pode divorciar a palavra da vivência.
Resumindo, Bosch define o evangelismo como
“aquela dimensão e atividade da missão da igreja que, por palavra e ato e à luz
de condições específicas e dum contexto específico, oferece a cada pessoa e a
cada comunidade, em todo lugar, uma oportunidade válida de ser diretamente
desafiado a uma reorientação radical das suas vidas, uma reorientação que
envolve tais coisas como a libertação da escravidão ao mundo e aos seus
poderes; abraçar Cristo como Salvador e Senhor; ser um membro vivo da sua
comunidade, a igreja; se alistar ao Seu serviço de reconciliação, paz, e
justiça na terra; e ser comprometido com o propósito de Deus de submeter tudo
debaixo do governo de Cristo” (p. 420). É uma definição excelente. Apenas eu
substituiria, em coerência com a posição que equivale evangelismo à missão, a
palavra “missão” na primeira frase com a palavra “ministério”.
Conclusão
A associação íntima de missão com evangelismo
decorre necessária e naturalmente duma perspectiva reformada da natureza
missionária (ou evangelística) da igreja. Uma vez que os termos são firmemente
unidos à característica essencial ou “marca” da apostolicidade da igreja, a
distinção entre os dois desaparece.